Entrevista Hugo Enio Braz – Autismo: entender e incluir

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“Autismo: entender e incluir – Dia Mundial de Conscientização”

 

Entrevista com: Hugo Ênio Braz

Você acredita que a divulgação de campanhas sobre o espectro autista tem ajudado a criar um ambiente mais acolhedor e compreensivo para as crianças? Se sim, de que maneiras você percebe essas mudanças na sociedade?

As campanhas de conscientização sobre o autismo têm contribuído para ampliar o conhecimento da sociedade em geral e, consequentemente, diminuir o preconceito em relação às pessoas autistas. Essas mudanças são percebidas em ambientes onde o conhecimento é disseminado de forma clara, direta e constante, como em algumas escolas que procuram estimular a inclusão, mas ainda muito precisa ser feito para que a sociedade seja mais acolhedora e respeitosa com a neurodiversidade.

– Quais são os principais desafios que as famílias encontram ao buscar informações, recursos e apoio para os filhos dentro do sistema educacional e de saúde? O que poderia ser feito para mitigar esses desafios?

O sistema educacional, desde a educação infantil até o ensino superior e em todas as modalidades de ensino, permanece inadequado, desestimulante, aversivo para pessoas autistas. A escola, na maioria dos casos, é um fator de agravamento dos quadros de baixa autoestima, sofrimento e depressão de educandos autistas. Portanto, é necessário repensar e reformular o sistema educacional para que possa efetivamente incluir pessoas neurodivergentes. Considerando as dificuldades encontradas pelas famílias para acesso aos vários tratamentos de saúde necessários, tanto pelos elevados custos quanto pela baixa oferta, e sendo o autismo uma questão de saúde pública, é imperioso e urgente que o SUS – Sistema Único de Saúde amplie a oferta de medicamentos, de atendimento multiprofissional qualificado e de terapias baseadas em evidências visando a atenção integral das necessidades de pessoas autistas de todas as idades.

– O que mais pode ser feito para reduzir o estigma e o preconceito que as famílias enfrentam no dia a dia?

Ampliar ações de esclarecimento da sociedade para estimular a inclusão social e facilitar o acesso ao lazer, ao esporte e à cultura, além de orientar e qualificar empresas para que pessoas autistas possam ser adequadamente incluídas no quadro de profissionais, evitando, dessa forma, contratações que visem apenas o preenchimento de cotas para PCDs.

– Quais ações você recomendaria para promover a inclusão e a aceitação da criança em ambientes sociais, como a escola ou atividades extracurriculares?

Fundamentalmente, qualificação em autismo de toda a equipe escolar, incluindo profissionais de apoio, como faxineira, porteiro, entre outros, para que alunos autistas sejam conhecidos e respeitados por todos na escola. Essa orientação serve para todos os ambientes sociais.

– Que tipo de informações ou recursos específicos você gostaria que fossem incluídos neste material para garantir que as necessidades e experiências das crianças sejam compreendidas e respeitadas de forma adequada?

A seguir, um resumo de informações e orientações que consideramos básicas:

– A pessoa autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, de acordo com a Lei Federal nº 12.764/2012.

– O Autismo, ou Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), é uma síndrome clínica decorrente de alterações no desenvolvimento neurológico, uma condição complexa e muito particular de se situar no mundo, ainda sem causa definida.

– O Autismo se apresenta de modo variável, podendo ou não estar associado a síndromes genéticas e outros distúrbios de funcionamento do cérebro.

– O diagnóstico de Autismo é clínico, feito pela observação do comportamento. Não há, ainda, exames capazes de detectar o Autismo.

– O diagnóstico não deve ser visto como um rótulo e sim como fundamental para os encaminhamentos às terapias necessárias e adequadas a cada caso, para orientar a inclusão escolar, para garantir direitos, favorecer a comunicação entre os profissionais, buscar apoio à família e por muitos outros motivos.

– Pessoas autistas podem ser afetadas no desenvolvimento intelectual e na linguagem ou ter inteligência e fala intactas, porém mesmo estas podem apresentar dificuldades para se comunicar e interagir socialmente, e podem acabar se isolando.

– Pessoas autistas costumam ser erroneamente interpretadas como birrentas, não afetuosas, sem empatia, mal educadas e que preferem o isolamento. Na verdade, elas enfrentam dificuldades em funcionar adequadamente em sociedade devido a deficiências na comunicação verbal e não verbal e dificuldades em compartilhar interesses, expressar e interpretar o afeto, entender gestos e expressões faciais e captar intenções, necessidades e emoções de outras pessoas.

– Devido a dificuldades em estar em ambientes desconhecidos e suportar aglomerações, contato físico e mudanças de rotina, além de elevada sensibilidade a barulhos, luzes, odores e outros desconfortos ambientais, agravados por dificuldades em se comunicar e interagir, pessoas autistas podem sentir enorme angústia, insegurança e desespero, e apresentar intensas crises emocionais e comportamentais. É necessário entender que crise não é birra. Crise é sofrimento.

– O atendimento prioritário de pessoas autistas em estabelecimentos públicos e privados visa reduzir o tempo de espera no atendimento, consequentemente reduzindo o tempo de exposição a estímulos ambientais ou situações que possam gerar ou estejam gerando crises.

– Formas graves de Autismo podem ser fator de desequilíbrio familiar, por isso a família precisa de apoio e atendimento especializado.

– A adolescência é uma fase crítica. Depressão, crises e mudanças comportamentais devem ser cuidadosamente avaliadas e tratadas por especialistas.

– O Autismo é uma condição para a vida inteira, daí a necessidade de criação de políticas públicas que atendam às variadas necessidades específicas de pessoas autistas em idade adulta, principalmente para pessoas autistas em situação de dependência, que não disponham de condições de autossustentabilidade, com vínculos familiares fragilizados ou que tenham perdido suas referências familiares por falecimento de seus responsáveis ou abandono.

Hugo Enio Braz – Co-fundador e ex-presidente da Luz Azul Associação Pró-Autismo de Santa Cruz do Sul. Atualmente é Conselheiro da entidade