A boa-fé no ato da contratação do Seguro Rural

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Através do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) concede auxílio financeiro ao produtor para a contratação da apólice de seguro rural, tornando-o mais acessível.

De acordo com o MAPA, o PSR até o ano de 2021 já subvencionou mais de 1,3 milhão de apólices desde que foi criado, beneficiando mais de 247 mil produtores rurais.[1]

Isto é, a cada safra são emitidas pelas seguradoras que atuam com o Ramo de Seguro Rural uma infinidade de apólices.

Em sendo o Brasil um país continental e em havendo a previsão de prazos de plantio consoante Zoneamento Agrícola para cada cultura, através das Portarias emanadas pelo Ministério da Agricultura, se torna tecnicamente inviável a realização de vistorias prévias em cada área objeto das contratações, especialmente relacionadas ao seguro agrícola, ainda mais em cantos mais recônditos do nosso país.

O mercado como um todo não dispõe de mão-de-obra técnica especializada e tempo hábil para percorrer todas as áreas e ainda mais dentro das janelas de plantios, especialmente considerando os calendários agrícolas das culturas.

Em sendo assim, desde o ato da cotação se faz imprescindível que as seguradoras façam aos segurados todos os questionamentos cabíveis acerca do risco que se está a predeterminar, de forma clara e especialmente não deixando margem para dúvidas ao proponente acerca de todas as pré-condições básicas para aceitação do risco, como por exemplo: tipo de solo (na grande maioria não há aceitação da contratação para o solo do tipo 01), cumprimento do Zoneamento Agrícola, histórico de cultivo, que a área não seja antecessora de pastagem ou mata virgem, certificação de sementes, dentre outros requisitos.

Importante frisar que o contrato do seguro agrícola segue em seus clausulados os ditames estabelecidos pelo MAPA, por consequência o agricultor experiente detém ciência do que está lhe sendo perguntado.

Sendo assim, ao contratar o seguro a seguradora sempre pressupõe a boa-fé do proponente, o que – como dito, se tratam de produtores com larga experiência, não podendo desconsiderar que a atividade agrícola representa uma grande indústria a céu aberto.

Diversos questionamentos formulados desde o momento da cotação são relacionados às áreas nas quais serão implementadas as culturas, ou seja, áreas às quais compõem o core business dos agricultores, portanto, é obrigação dos mesmos deter o total conhecimento acerca do histórico, tipo de solo, etc.

Cabe ao proponente responder aos questionamentos que lhe são feitos adotando a mais absoluta veracidade nas informações que estão sendo prestadas, sob pena de incidir na perda de direito preconizada pelo artigo 766 do Código Civil.

Um dos princípios fundamentais do direito privado é a boa-fé objetiva, cuja função é estabelecer um padrão ético de conduta para as partes nas relações obrigacionais.

Flávio Tartuce, em Manual de Direito Civil, Volume Único, 3ª Edição, Editora Método, São Paulo, p. 550 e 551, relaciona a boa-fé aos chamados deveres anexos ou laterais de conduta:

“Pois bem, como antes destacado, tomou-se comum afirmar que a boa-fé objetiva, conceituada como sendo exigência de conduta leal dos contratantes, está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial. São considerados deveres anexos, entre outros:

– Dever de cuidado em relação à outra parte negocial;

– Dever de respeito;

– Dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio;

– Dever de agir conforme a confiança depositada;

– Dever de lealdade e probidade;

– Dever de colaboração ou cooperação;

– Dever de agir com honestidade;

– Dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão. ”

O princípio da boa-fé se reflete em diversas áreas do direito e no direito do seguro vem assim regido pelo Código Civil:

“Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. ”

Ao comentar o referido artigo 765, a professora Ana Rita R. Petraroli em artigo denominado “A hermenêutica da boa-fé no Código Civil” publicado em   Caderno de Seguros da Funenseg. Ano XXXII/Nº 171/Março/Abril de 2012. p.112, assim preceitua:

“A legislação frisa que tal boa-fé e tal veracidade hão de ser elementos constantes do contrato, determinando a pré-existência das mesmas na conclusão do contrato e sua pós-existência, na execução do mesmo.

Mais claro: durante toda a vigência contratual e em relação a todos os elementos do contrato, quais sejam, o objeto, as circunstâncias e as declarações, ambas as partes, contratante e contratada, não podem omitir, inverter ou simular qualquer dos elementos que compõem a contratação.

A vontade do legislador foi absolutamente explicitada no corpo do artigo acima, oportunidade em que, além de destacar a já consagrada boa-fé, que se espalha por todo o código, determinou a obrigação da veracidade. E ser verdadeiro implica declarar corretamente o que lhe é perguntado, aclarar circunstâncias e não alterar qualquer característica que implique alteração do contrato. ”

Em suma, o agir ético deve partir de ambos os contratantes desde o início do ajuste, perpetuando durante toda a relação contratual, fins de que se possa não tão somente preservar a mutualidade, mas também fortalecer este importante instrumento de política agrícola, o tornando mais acessível para a sociedade no geral e para o fortalecimento da agricultura do nosso país, haja vista ser esta uma grande propulsora da nossa economia.

[1] https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/riscos-seguro/seguro-rural/publicacoes-seguro-rural/programas-de-apoio-ao-seguro-rural-federal-estaduais-e-municipais.pdf

Maria Izabel Indrusiak – Sócio Gerente – Jurídico Contencioso (Grandes Riscos e Consultoria) – OAB/RS 58.451