Almaça: “Se as mutualistas passassem a estar sob as regras dos seguros de um dia para o outro, não sobreviviam”

José Almaça explicou que as mutualistas só podem estar sujeitas à lei dos seguros depois de aplicarem o regime de Solvência II, o que só pode acontecer depois de um longo período de transição.

Nessa altura, e se a convergência tiver sucesso, as mutualistas passam a ser regidas pelo regime dos seguros e não pelo código das mutualistas.

O Presidente da ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, à margem da reunião anual do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros com a Comissão de Acompanhamento do Plano Nacional de Formação Financeira, explicou ao Jornal Económico que, se não houvesse um período transitório de 12 anos para as Associações Mutualistas (Montepio Geral e Monaf) estarem sujeitas ao regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora (RJASR), não sobreviveriam. “Se tivessem de aplicar as regras de Solvência II de um dia para o outro não subsistiriam”, disse.

O novo código das associações mutualistas define que aquelas que preenchem os requisitos de dimensão (as duas maiores) são sujeitas, com as devidas adaptações, e entre outras coisas, “a um regime de cálculo de solvência ao nível do grupo, que tenha em conta os requisitos financeiros aplicáveis às entidades individuais incluídas no seu âmbito de consolidação e que tenha por referência os regimes aplicáveis à supervisão de grupos seguradores e conglomerados financeiros”.

Bem como “ao regime processual aplicável às contra ordenações cujo processamento compete à ASF”, lê-se na lei.

José Almaça explicou também que só avaliará a idoneidade da administração à luz da lei das seguradoras “quando e se” as Mutualistas convergirem, completamente, para o regime das seguradoras. Isto porque, até lá as duas Associações Mutualistas podem não conseguir convergir para o regime das seguradoras.

O ainda presidente do regulador dos seguros explicou também que findo esse período transitório as Mutualistas abrangidas que consigam convergir para o regime das seguradoras deixam de ser regidas pelo Código das Mutualistas e passam apenas a ser regidas pelo regime geral das seguradoras.

Isto significa que até lá aplica-se o Código das Mutualistas, no artigo 100º no que se refere à idoneidade dos gestores da Mutualista, e que cabe ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) aplicar essa lei.

Parecer da ASF enviado aos deputados

O Jornal Económico teve acesso ao Parecer que a ASF enviou para a COFMA, Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa. Nele o regulador dos seguros remete para o Decreto-Lei n.º 59/2018 que aprova o novo Código das Mutualistas onde é dito explicitamente que compete ao presidente da mesa da Assembleia Geral da Associação Mutualista verificar “o cumprimento dos requisitos de idoneidade dos candidatos, bem como dos titulares dos órgãos associativos durante todo o período de exercício do mandato”.

Depois remete para o artigo 95º do Código das Associações Mutualistas (CAM) onde é dito que os administradores-delegados devem cumprir os requisitos de idoneidade constantes do artigo 100.º.

Tal como o Jornal Económico avançou o artigo 100º prevê que só em caso de crime é que um gestor de uma Mutualista perde a idoneidade. Isto é, o novo Código diz, na alínea e), que só não é idóneo quem tiver sido condenado, em Portugal ou no estrangeiro, “por crime doloso contra o património, abuso de cartão de garantia ou de crédito, usura, insolvência dolosa ou negligente, apropriação ilegítima de bens do setor público ou não lucrativo, falsificação, gestão danosa, corrupção, branqueamento de capitais, prática ilícita de gestão de fundos de pensões, abuso de informação e manipulação do mercado de valores mobiliários, salvo se, entretanto, tiver ocorrido a extinção da pena”.

Ora, o processo do Banco de Portugal que condenou Tomás Correia e outros ex-administradores do Banco Montepio não é um processo crime e os ilícitos determinados pelo supervisor bancário não cabem nesta alínea.

A ASF recorda ainda que também os membros do conselho fiscal estão sujeitos, em qualquer caso, ao cumprimento dos requisitos de idoneidade estabelecidos no artigo 100.º.

“Resulta, pois claro, das palavras do legislador, que durante este período transitório de 12 anos, a função da ASF em relação a estas associações mutualistas de maior dimensão é verificar se estão a preparar-se devidamente para o futuro quadro regulatório a que ficarão sujeitas após o período transitório, altura em que a ASF assumirá então plenamente os seus poderes de supervisão quanto ao cumprimento desse quadro regulatório”, diz a ASF no seu parecer. Esse regime de supervisão especial aplicável após o período transitório “é o constante nos artigos 136º a 139º do CAM”, diz o supervisor.

Norma interpretativa em Conselho de Ministros

O ministro do Trabalho disse esta quarta-feira que a norma interpretativa para clarificar que cabe ao regulador dos seguros avaliar o presidente da Mutualista Montepio vai nesta quinta-feira a Conselho de Ministros, apesar de considerar que a lei é explícita.

Em declarações à Lusa, Vieira da Silva disse que “a norma que o Governo irá abordar na reunião de Conselho de Ministros é uma norma clarificadora, que especifica quais são todas as áreas que, no chamado modelo de organização e administração das mutualistas passam, a estar sob acompanhamento da ASF” (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), afirmou, à margem da audição na comissão de Trabalho da Assembleia da República.

“Não é acrescentar nenhum ponto, é clarificar que as questões da organização, de idoneidade, de avaliação das condições de gestão dessas mutualidades (…) são da responsabilidade da supervisão e fiscalização da ASF”, afirmou Vieira da Silva à Lusa.

O governante disse que esta clarificação apenas vem esclarecer o que o Governo e os seus juristas já consideram que está na lei, que as matérias financeiras das mutualistas são analisadas pelo regulador dos seguros no fim do período transitório (12 anos) mas que a parte de organização e gestão é analisada deste já.

A norma interpretativa, que o ministro disse esperar que seja aprovada na quinta-feira pelo Governo, tem depois de ser promulgada pelo Presidente da República.

Questionado sobre por que o Governo não fez este esclarecimento em janeiro, quando um serviço do Ministério do Trabalho e Segurança Social fez o registo dos administradores da Associação Mutualista Montepio Geral (uma vez que o atual mandato iniciou-se em janeiro) e a ASF já então informava que considerava que não tinha de avaliar a idoneidade, o ministro disse que “foi um serviço que perguntou à ASF se pretendia exercer esse direito que a lei já lhe confere e a ASF entendeu não exercer”.

Parecer da ASF

A ASF, no seu parecer, explica que, por força de um despacho do Governo, as  associações mutualistas determinadas em função da respetiva dimensão económica (Associação Mutualista Montepio Geral e Monaf – Montepio Nacional da Farmácia) ficaram desde a data da publicação, sujeitas a um regime transitório com o prazo de 12 anos para adaptação ao regime de supervisão, “passando este a ser-lhes plenamente aplicável” ao fim de 12 anos, desde que “reúnam os requisitos legalmente exigidos para esse efeito”.

Depois o Código refere que “as associações mutualistas, incluindo as respetivas federações, uniões e confederações, cujo volume bruto anual de quotas das modalidades de benefícios de segurança social concedidos exceda (euro) 5.000.000 euros e o valor total bruto dos fundos associados ao respetivo financiamento exceda (euro) 25.000.000 euros ficam sujeitas a um regime especial que determina a aplicação de regras específicas do setor segurador”.

A ASF “é a autoridade competente para o exercício da supervisão financeira das associações mutualistas que preencham os requisitos definidos no artigo 136.º, bem como das atividades desenvolvidas pelas mesmas, dispondo para o efeito das competências e poderes que lhe são reconhecidos estatutariamente e no RJASR, sem prejuízo dos poderes de tutela dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da segurança social e da saúde”, diz o parecer que acrescenta que “durante esse período ou regime transitório de 12 anos e sem prejuízo das competências do membro do Governo responsável pela Segurança Social, é atribuído um conjunto de poderes relativamente à associações mutualistas abrangidas”.

“O artigo 5º e 6º do decreto [que cria o código] não prevê quais as disposições legais concretamente aplicáveis ao exercício destes poderes pela ASF, apenas indicando de forma lacónica, em 4 das suas 12 alineas”, lê-se no parecer da ASF.  “Tanto que a ASF recorda que ainda terá de definir por normal regulamentar, a forma, natureza e formato (…) após auscultação da comissão de acompanhamento que terá de ser criada”, acrescenta o parecer.

Ora, diz a ASF, perante este quadro legal, e “considerando que as competências para o exercício de poderes públicos não se presumem, afigura-se nos manifestos que os poderes da ASF, durante o período transitório não abrangem a apreciação da idoneidade e o registo, nos termos e com as consequências do regime das seguradoras”.

“De notar que esse período de 12 anos só pode ser reduzido caso a mutualista cumpra mais cedo o plano de adaptação”, disse a ASF.

“Se, no final do período transitório, a associação mutualista não preencher os requisitos financeiros, exigidos no âmbito do regime de supervisão (…) não ingressa no referido regime de supervisão”, diz ainda a Mutualista.

Isto é, só se a Associação Mutualista cumprir o regime de Solvência II é que a idoneidade dos gestores passa a ser regida pela lei dos seguros em detrimento do código das mutualistas.

O supervisor recorda ainda o aditamento que a Lei n.º 7/2019 de 16 de janeiro introduziu à lei das seguradoras. Ao aditar ao RJASR o artigo 33ºA o legislador manda aplicar expressamente às mutualistas que completem o processo de convergência com sucesso, um conjunto de disposições da lei das seguradoras, incluindo os seus artigos 43º a 45º relativos ao registo de pessoas que “dirigem a empresa, fiscalizam, ou são responsáveis por funções chave”; relativos à recusa inicial do registo; e à falta superveniente de adequação das pessoas registadas; “compreendendo também os requisitos da idoneidade”, que apresentam conexão com o registo.

Tudo coisa que o legislador deixou para depois do período transitório, sendo que até lá, do que se trata é de garantir “uma gradual adaptação dessas instituições ao novo quadro regulatório”.

O supervisor conclui dizendo que à ASF são conferidos nesta fase “meros poderes de verificação do cumprimento do plano de adaptação”.

Fonte: Jornal Económico