Regulamentação da proteção veicular é defendida em audiência

Representantes do setor defenderam, na audiência pública, o direito à liberdade de associação – Foto: Clarissa Barçante

Segmento, que é opção aos seguros, reivindica, contudo, que regras não tirem o caráter de associativismo da atividade.

Apesar de divergências manifestadas em audiência pública nesta quarta-feira (12/9/18), foi consenso entre representantes de associações de proteção veicular, de corretores e de órgãos de proteção do consumidor a necessidade de regulamentar a atividade.

Opção aos seguros tradicionais de veículos, a proteção veicular consiste basicamente em um fundo administrado por uma associação legalizada e registrada, em que os associados dividem os custos entre si.

Segundo dados expostos na reunião, realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), essa modalidade teria surgido no País há cerca de 15 anos, começando justamente por Minas Gerais, onde haveria hoje mais de 1,2 mil associações dessa natureza, com quase 1 milhão de associados.

A modalidade, contudo, tem sido questionada em ações judiciais e gerado controvérsias quanto ao fato se estaria ou não submetida ao Código de Defesa do Consumidor. Para o diretor jurídico da Federação das Associações de Benefícios de Goiás (FEAB-GO), Gabriel Borges, a existência de processos criminais e cíveis relacionados à atividade seria fruto de equívocos de quem, segundo ele, questiona as entidades de proteção veicular sob a alegação de que teriam semelhança com a prática das seguradoras.

Ele argumentou que o Código Civil, em seu artigo 757, conceitua o seguro como modalidade contra riscos predeterminados envolvendo um prêmio e criada para ter lucro. “No seguro, o risco é transferido do associado para a seguradora. Já na associação de proteção veicular, isso não acontece. Se uma ocorrência resultar em despesa, ela é rateada entre todos os associados e, por consequência, não se tem o prêmio”, frisou.

Outra diferença, segundo ele, seria que a mensalidade paga pelo associado à proteção veicular depende de fatos e custos anteriores, a serem rateados após ocorridos. “É como se fosse um condomínio”, comparou.

Insistindo no diálogo entre todos os envolvidos, as entidades criticaram o fato de as seguradoras se referirem à atividade como “seguro pirata”, uma vez que as associações têm estatuto e regulamento e que a liberdade de associação é um dos direitos fundamentais do cidadão.

Pessoas jurídicas – Alexandre Remiggi, da Força Associativa Nacional (FAN), acrescentou que a entidade foi criada justamente para reunir as associações que trabalham de forma correta e impedir a ação de pessos jurídicas que, na verdade, estariam fugindo aos objetivos do associativismo.

As entidades frisaram que uma futura regulamentação, embora necessária, não deve comprometer justamente o caráter associativista da proteção veicular, a exemplo do que teria ocorrido com os consórcios de carros. “Eles surgiram de uma iniciativa da sociedade, mas acabaram nas mãos de grandes empresas e bancos”, pontuou o presidente da Força Associativa Nacional (FAN), Cauby Morais.

Corretores querem fiscalização

Defendendo as seguradoras, o diretor administrativo do Sindicato dos Corretores de Seguros e Capitalização do Estado de Minas Gerais, Francisco Ferreira Neto, disse que a entidade aprova a regulamentação das associações de proteção veicular nos moldes em que o seguro já opera e sob o controle de um órgão fiscalizador.

Nesse sentido, mencionou a tramitação do Projeto de Lei (PL) 3.139/15, do deputado federal Lucas Vergilio (SD-GO), o que foi motivo de protesto das entidades de proteção veicular presentes, segundo as quais o autor seria um conhecido corretor de seguros em Goiás.

“A atividade associativa realmente incomoda o nosso mercado e adotamos ações com base em denúncias contra associações porque elas também impactam na nossa imagem”, argumentou o representante dos corretores.

O projeto em questão recebeu, em maio último, parecer de comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o assunto e deverá seguir para o Senado.

Regras específicas – Originalmente, o PL criminaliza as cooperativas de proteção veicular. Um novo texto sugerido no relatório da comissão equipara as cooperativas às seguradoras, mas com a aplicação de regras específicas no caso das associações, inclusive abordando a fiscalização do segmento, entre outras modificações.

Procon alerta para necessidade de garantias reais

Representando o Procon Assembleia, Pedro Baêta da Costa frisou que o direito à liberdade de associação não pode ser negado, mas alertou para a existência de associações de proteção veicular que atuam contrariamente aos interesses dos associados.

Segundo ele, há instituições que na prática atuariam como empresas, ou que, mesmo se configurando como associações, não estariam arcando com o pagamento de consertos de veículos em tempo hábil, propondo parcelamentos longos. E isso após meses de tentativas de recebimento por parte do associado.

Situações como essas foram responsáveis, em 2017, por 11 reclamações registradas no Procon Assembleia, número que este ano subiu para 13 somente até agosto.

Relação de consumo – Por sua vez, o promotor de justiça e coordenador do Procon Estadual, Amauri da Matta, defendeu que, apesar de controvérsias, as associações de proteção veicular seriam, sim, submetidas ao Código de Defesa do Consumidor, na medida em que os associados pagam mensalidades a essas entidades, caracterizando, assim, uma relação de consumo.

Ele frisou que essas associações de socorro mútuo estão previstas na legislação, mas ressaltou a necessidade de que elas congreguem associados por afinidade de interesses, sem fins de lucro, e que tenham com eles um vínculo jurídico prévio, realizando assembleias, prestando contas e dando garantias reais aos associados.

O promotor ainda observou que a falta de regras mais claras deixa até mesmo a Justiça “cambaleante”. Como exemplo, mencionou decisões diferentes proferidas por câmaras do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que ora entendem as ações como de relações de consumo, ora apenas como um negócio entre associados.

Deputado defende liberdade de associação

O deputado Cabo Júlio (MDB), que solicitou a audiência, defendeu que o assunto deve ser tratado sob a ótica da liberdade de associação e do interesse da sociedade. “É preciso chegar a um denominador comum, vendo quem perde ou ganha e o que o legislador pode fazer a respeito”, ressaltou.

O parlamentar relatou que há anos, quando ainda atuava como militar, chegou a ter um carro velho recusado por uma seguradora quando tentou fazer o seguro do veículo. “A proteção veicular nasceu para uma base excluída, que não interessava ao mercado de seguros. Está claro que a atividade é legal, mas que carece de regulamentação”, pontuou.

Fonte: Jornal das Montanhas