Confira o artigo do presidente da FenSeg sobre os “Seguros Pirata”

O aprofundamento da crise econômica nos últimos anos criou o cenário perfeito para os vendedores de ilusões. Sob o guarda-chuva genérico de associações e cooperativas, eles oferecem aos incautos a falsa garantia de proteção para carros, motocicletas e caminhões.

O valor da mensalidade é tão convidativo que, de início, muitos ignoram os sinais de perigo. A ilusão acaba quando os associados não conseguem receber o pagamento de indenizações em caso de acidente, furto ou roubo do veículo. Perdem o patrimônio e as economias de uma vida. Tarde demais.

Em todo o país, as entidades de proteção veicular formam um mercado marginal que cresce à sombra do Estado. Sem qualquer regulamentação ou supervisão das autoridades, atentam contra a economia popular e deixam o cidadão ao desamparo. Os produtos são anunciados como substitutos mais baratos do seguro de automóveis, porém com coberturas similares. Nada mais enganoso. Proteção veicular é tudo, menos seguro. A começar pelo conceito básico que diferencia as duas atividades.

O seguro é uma relação de consumo prevista no Código Civil e amparada no Código de Defesa do Consumidor. Ao contratar uma apólice, o segurado transfere todo risco para a seguradora. A empresa fica responsável pela indenização em caso de sinistros.

Na proteção veicular, não há relação de consumo. O associado assina um contrato de responsabilidade mútua e divide o risco com os demais membros. Em caso de prejuízo, é feito um rateio entre todos. O pagamento de indenização depende do caixa da entidade.

Na contramão do seguro, que constitui um dos setores mais regulados da economia, a proteção veicular é um território sem lei. Cada associação ou cooperativa tem seu próprio estatuto, sem fiscalização de espécie alguma. Elas também são dispensadas de constituir reservas técnicas, o que compromete a sua capacidade de honrar os pagamentos. Algumas entidades fecham da noite para o dia, deixando os associados no prejuízo.

Não existe paraíso quando se trata de proteger o patrimônio ou a vida do consumidor. A garantia de indenização vem de uma regulação eficiente e de uma série de exigências que as seguradoras são obrigadas a cumprir. As empresas precisam ter capital mínimo, liquidez, estrutura de gestão de riscos, controles internos, mecanismos de governança corporativa, sistema de auditoria e envio periódico de dados à Susep (órgão regulador do mercado). São pilares cruciais para o bom funcionamento do seguro.

Quem mexe com poupança popular tem os olhos do Estado sobre si. O avanço indiscriminado de serviços travestidos de seguros é sinônimo de perdas irreparáveis para toda a sociedade. Hoje essas mesmas associações e cooperativas ampliam seus tentáculos para outras áreas, como previdência privada, assistência funerária e até saúde. Sem a devida regulação, até mesmo o crime organizado terá espaço para se infiltrar em entidades que negociam ilegalmente esses produtos caso nada seja feito.

O arsenal de guerra da proteção veicular inclui também tentativas de desqualificar o seguro. Com argumentos toscos, espalha a falsa ideia de que as seguradoras se recusam a fazer apólice de carros nacionais com mais de dez anos, além de motos e caminhões. Errado de novo. O seguro no Brasil cobre cerca de 920 mil automóveis com mais de dez anos, que geraram 400 mil sinistros em 2016. O mesmo vale para 350 mil motos, que geraram 93 mil sinistros; e para 390 mil caminhões com cobertura de casco (100 mil sinistros).

O retorno do seguro para a sociedade pode ser medido de forma bem concreta. Somente as apólices de automóveis geraram um total de R$ 16,1 bilhões em pagamento de sinistros, de janeiro a setembro este ano. Em 2016, as indenizações deste segmento somaram R$ 21,2 bilhões. Não é qualquer empresa que consegue colocar capital na frente, formar reservas, mobilizar uma legião de profissionais e corretores para que se tenha essa proteção de forma transparente e efetiva.

O nível de profissionalismo e de confiança do seguro é uma conquista da sociedade. Com a proteção veicular e produtos assemelhados, o Brasil corre o risco de voltar ao tempo das mútuas, que operavam sem qualquer planejamento, fiscalização e controle. Muitos associados perderam todas as suas economias em produtos falsamente caracterizados de seguros e planos de previdência. Essa é uma bomba-relógio que precisa ser desmontada com urgência. Fechar os olhos para o problema significa transformar o risco em certeza de perda. Para todos.

João Francisco Borges da Costa
Presidente da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg)

Fonte: CNseg