Celular ao volante e o direito ao seguro

Quem conversa ou tecla enquanto dirige aumenta intencionalmente o risco de acidente; as seguradoras estão certas ao recusar o pagamento do seguro nesses casos.

De acordo com informações do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), os pagamentos de indenizações com sinistros em casos de morte, invalidez permanente por acidente de trânsito e despesas com assistências médicas vêm aumentando gradativamente nos últimos anos.

Em 2002 as indenizações alcançavam 37.018 sinistros por morte e 16.280 por invalidez permanente. Em 2014 alcançou-se o pico dos últimos anos. Naquele período foram indenizados 52.226 sinistros por morte e 595.693 por invalidez permanente.

São diferentes os fatores que levam a esse patamar. É inegável que um deles, em especial, tenha contribuição expressiva: o uso do celular ao volante. No fim da década de 1990 existiam no Brasil perto de 20 milhões de automóveis e 5 milhões de aparelhos celulares. Nos dias atuais, esses números são de 50 milhões de automóveis e incríveis 300 milhões de aparelhos celulares.

Pesquisas realizadas sobre o tema mostram que a combinação entre a direção e a utilização do celular aumenta substancialmente o risco de acidente no trânsito em razão da distração que é causada ao motorista e da diminuição dos seus reflexos na condução do veículo.

Levantamento feito pelo Instituto de Transportes e Tecnologia da Virgínia (EUA), ligado ao National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), aponta que quem digita uma mensagem de texto ao volante tem 23 vezes mais chances de sofrer um acidente do que um motorista atento ao trânsito; uma ligação telefônica aumenta esse risco em seis vezes.

Dados da Polícia Rodoviária Federal mostram que somente no primeiro semestre deste ano 10,5 mil multas foram aplicadas a motoristas que dirigiam e utilizavam o telefone celular nas estradas federais. A infração é gravíssima, com multa de R$ 293,47 e perda de sete pontos na carteira de habilitação.

Além de sanções administrativas, os motoristas flagrados utilizando o celular enquanto dirigem também estão sujeitos a implicações de natureza cível, como a perda do direito ao recebimento de seguro por conta do agravamento de risco.

Isso porque uma das condições básicas do contrato de seguro é a responsabilidade do segurado em não agravar intencionalmente o risco objeto do contrato sob pena de perder o direito à garantia. Isso quer dizer que, se o segurado aumentar intencionalmente a probabilidade de ocorrência de lesão ao bem segurado, criando um risco não previsto no pacto securitário celebrado, perderá o direito à garantia.

Exemplos dessa aplicação se dão em casos de acidentes de trânsito nos quais fica constatada a embriaguez do condutor como causa determinante da ocorrência, ou mesmo quando o condutor se envolve em acidente participando de racha; ou, ainda, quando o acidente é causado por filho menor de idade do segurado.

Essas circunstâncias contrariam totalmente a lei e as cláusulas gerais do contrato de seguro, e esse mesmo raciocínio correto se aplica quando o acidente ocorre comprovadamente em decorrência da utilização do aparelho celular enquanto se dirige.

A controvérsia a respeito desse assunto já está começando a ser enfrentada por juízes e tribunais cíveis de todo o país, em razão do aumento significativo de acidentes de trânsito causados por motoristas imprudentes que colocam vidas em risco ao dirigir e utilizar aparelho celular ao mesmo tempo.

Em regra, a Justiça vem entendendo que, quando o risco é agravado intencionalmente pelo segurado, quebra-se o equilíbrio contratual e fere-se o princípio da boa-fé objetiva presente no contrato de seguro celebrado, o que autoriza a companhia seguradora a se eximir da sua obrigação de efetuar o pagamento da indenização.

Ou seja, na hipótese de restar comprovado o nexo de causalidade entre o ato intencional do motorista de utilizar-se do aparelho celular na direção do veículo e o acidente de trânsito, a seguradora poderá se negar a efetuar o pagamento da indenização do seguro por conta do ato ilegal praticado pelo segurado.

Aqui é que se encontra a justificativa de que é possível afirmar que o agravamento intencional do risco pela utilização ilegal do aparelho celular na condução do veículo automotor no momento de um acidente de trânsito pode resultar em perda ao direito do seguro.

E não se pode dizer que a decisão das seguradoras – de negar o pagamento do seguro nesta hipótese – é exagerada ou até mesmo injusta. Inobstante estarem apenas aplicando a letra fria da lei nas relações securitárias, no fim das contas acabam também protegendo o bem mais precioso que existe, que é a própria vida das pessoas.

Ademais, é certo que um raciocínio diverso acabaria até mesmo por incentivar a utilização ilegal do aparelho celular por motoristas, o que fatalmente acabaria ocasionando um aumento ainda maior dos casos de sinistros com invalidez e mortes no trânsito no país.

Fonte: Gazeta do Povo