Seguro não cobre atropelamento causado por embriaguez

STJ reconhece cláusula que nega cobertura para acidentes gerados por segurado embriagado

As seguradoras não são obrigadas a cobrir danos causados por segurado que dirige alcoolizado. Foi o que reconheceu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por uma maioria apertada de votos, ao analisar caso em que os pais de um rapaz atropelado por um motorista embriagado pediam para a seguradora do réu ser condenada ao pagamento de indenização.

 

Para os ministros, a ingestão de álcool conjugada à direção viola a moralidade do contrato de seguro por ser clara ofensa à boa-fé contratual – necessária para a devida administração do mutualismo, manutenção do equilíbrio econômico do contrato e, ainda, para que o seguro atinja sua finalidade original de minimizar os riscos aos quais estão sujeitos todos os segurados.

“A nocividade da conduta do segurado se intensifica quando há também violação da própria literalidade do contrato, em manifesto descumprimento à pacta sunt servanda, imprescindível para a sustentabilidade do sistema securitário”, sustentou a ministra Nancy Andrighi, que virou relatora para o acórdão do Recurso Especial 1.441.620/ES.

 

Ao divergir dos argumentos defendidos pelo então relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a ministra afirmou que contratos de seguro têm impactos amplos em face da sociedade e acabam influenciando o comportamento humano. E que, por isso mesmo, o objeto de um seguro não pode ser incompatível com a lei.

“Não é possível que um seguro proteja uma prática socialmente nociva, porque esse fato pode servir de estímulo para a assunção de riscos imoderados, o que contraria o princípio do absenteísmo, também basilar ao direito securitário”, disse. Os ministros Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro acompanharam o voto.

 

Exclusão da cobertura

O caso chegou ao STJ depois que os pais da vítima de atropelamento causado pelo motorista embriagado alegavam que a Seguradora Real S/A Previdência de Seguros – que fazia o seguro do veículo do réu – deveria ser condenada ao pagamento de indenização. Diziam que o fato de o motorista estar ou não embriagado não eximia a seguradora da responsabilidade de pagamento do seguro.

 

Segundo os pais, a jurisprudência do STJ seria firme no entendimento de que o fato de o segurado estar dirigindo sob a influência de álcool não ocasiona a perda da cobertura do seguro, nem mesmo caracterizaria o agravamento de risco previsto no artigo 768 do Código Civil de 2002, hipótese que levaria à perda da cobertura.

Eles sustentavam também que a cláusula de exclusão da cobertura no caso de o acidente de trânsito ser causado pelo segurado em estado de embriaguez seria abusiva segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

 

Isto porque, de acordo com os pais da vítima, a cláusula não teria sido redigida com grande destaque, o que seria necessário em contrato de adesão e excluiria da cobertura o pagamento de danos morais, quando “nos danos pessoais previstos na apólice do seguro incluem-se os danos morais”, em manifesta quebra do equilíbrio contratual.

Nesse sentido, alegavam violação ao artigo 424 do Código Civil, que prevê a nulidade de cláusulas que “estipulem a renúncia antecipada ao aderente a direito resultante da natureza do negócio”.

 

Seguro de automóvel

O relator original do caso, ministro Sanseverino afastava a excludente contratual de agravamento do risco. Sua justificativa estava na orientação do STJ que, segundo ele, entende ser a exclusão do direito à garantia dependente da comprovação de que a embriaguez foi a causa determinante do sinistro por parte da seguradora, o que não houve no caso concreto.

 

Sanseverino também entendia pela permissão da condenação direta e solidária da seguradora, em acordo com jurisprudência da Segunda Seção, e reconheceu a data do evento danoso como marco inicial para contagem de juros de mora e correção monetária.

 

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva acompanhou o então relator para dar razão ao argumento da família da vítima, mas por outro fundamento: o de que a cláusula de exclusão é ineficaz quando se trata de seguro de responsabilidade civil. Para Cueva, essa excludente em caso de condutores alcoolizados só é válida no caso de contrato de seguro de automóvel.

Em se tratando de seguro de responsabilidade civil, disse Cueva, “deve ser dotada de ineficácia para terceiros (garantia de responsabilidade civil) a cláusula de exclusão da cobertura securitária na hipótese de o acidente de trânsito advir da embriaguez do segurado, visto que solução contrária puniria não o causador do dano, mas as vítimas do sinistro, as quais não contribuíram para o agravamento do risco”.

A diferenciação havia sido feita pelo ministro em seu voto no Recurso Especial 1.485.717/SP, julgado em dezembro de 2016.

 

Responsabilidade civil

Nancy Andrighi ressaltou que, de fato, são os pais da vítima do acidente de trânsito que postulam, contra o segurado, o pagamento da indenização. Ou seja, trata-se da cobertura da responsabilidade civil, presente também nos seguros de automóvel.

De acordo com a ministra, é certo que em seguros de responsabilidade civil a seguradora tem o dever de garantir o pagamento às vítimas de dano causado pelo segurado, como diz o Código Civil. Mas ponderou que, a ingestão de álcool conjugada à direção viola a moralidade do contrato de seguro.

 

Principalmente, defendeu a relatora, quando a conduta do segurado não só viola a boa-fé contratual como também viola a própria literalidade do contrato. “Como todos os outros contratos, o de seguros tem como princípio basilar a ‘pacta sunt serenada’. No caso dos seguros, a ‘pacta sunt servanda’ é ainda mais importante, tendo em vista que violações contratuais não afetam negativamente só as partes (segurado/seguradora), mas também a coletividade que compôs o fundo mutual e, no limite, toda a sociedade”, disse.

A ministra esclareceu que o argumento defendido por ela não visava levar à não reparação dos pais da vítima, que já serão indenizados uma vez que ficou decidida – ainda em primeira instância – a responsabilização do motorista embriagado.

 

“Trata-se, simplesmente, de não agraciar o causador do dano com a cobertura do seguro, ao arrepio do princípio da boa-fé, do mutualismo, da função social do contrato de seguro, da ‘pacta sunt servanda’, de suas obrigações contratuais e da própria lei”, concluiu.

Com base nestes argumentos, a ministra votou por reconhecer a eficácia da cláusula de exclusão de cobertura securitária em caso de embriaguez ao volante. Ao ser acompanhada por Bellizze e Moura Ribeiro, virou relatora para o acórdão. Ficaram vencidos os ministros Sanseverino e Villas Bôas Cueva.

Fonte: Jota.info