Cautela no desenvolvimento de seguros para transporte via app

Antes mesmo de serem regulamentados em algumas cidades brasileiras, os serviços de transporte por meio de carros particulares já haviam conquistado muitos usuários. Além de serem os “queridinhos” do público, tornaram-se uma alternativa para aqueles que precisam garantir ou complementar a renda em tempos de crise.

Quem cogita entrar para o ramo precisa estar amparado por um seguro. No entanto, ainda não existe um produto desenhado exclusivamente para esse fim. “O mercado de seguros e a sociedade ainda andam num passo mais cauteloso em relação a todas as novidades tecnológicas que surgem”, justifica Ana Rita Petraroli, advogada e presidente da Associação Internacional de Direito de Seguro (AIDA) no Brasil.

Ela lembra que o desenho de um produto não é um processo rápido e precisa atender a todas as obrigações legais e financeiras a ele inerentes, da aprovação ao lucro. Isso não significa que o setor seja refratário às novidades, antiquado quanto aos novos mercados ou insensível às modernidades.

Apenas que usa da cautela para a análise necessária dos novos riscos e suas consequências ainda desconhecidas. “Novos produtos serão apresentados assim que amadurecerem as relações da sociedade com estes novos riscos”, assegura.

Como são feitas as escolhas dos motoristas? Em que tipo de veículo vão trafegar? Como se poderá aferir a capacidade profissional deles para prestar serviços que contenham tantas hipóteses de risco, como é o caso do transporte de passageiros? A seriedade e a competência das operadoras de aplicativos de transporte estão entre as principais dúvidas do mercado.

E enquanto as partes contratantes não se conhecerem muito bem e, principalmente, não confiarem uma na outra, não se pode esperar grandes avanços no setor. É o que diz a também advogada Angélica Carlini, acrescentando que a timidez do mercado guarda estreita relação com as condições econômicas atuais do País.

“O surgimento do transporte coletivo por aplicativos está sob o ‘guarda-chuva’ das novas tecnologias. Não devemos nos surpreender, mas estudar adequadamente cada uma das novas situações para desenhar seguros que se adequem a elas e sejam seguros e sustentáveis para o setor. Não há como fugir das novas tecnologias e dos desafios que elas vão nos propor continuamente”, destaca.

Coberturas obrigatórias

Se por um lado a chegada de um produto específico deve ser precedida de estudos rigorosos para evitar percalços e perdas, por outro deixa a dúvida sobre quais proteções se adequam para a atividade enquanto ele não é lançado.

Para Ana Rita, todas essas formas de negócios colocados como inovadores já existiam com os pontos e cooperativas de táxis, os táxis executivos e as cooperativas de transporte. O que acontece agora é apenas uma mudança de plataforma de distribuição. “O diferencial é a forma virtual de contratação”, explica. Sendo assim, novos produtos podem até serem desenhados, mas os existentes são aptos a cobrir estes riscos com uma pequena adaptação na subscrição e na análise do sinistro.

As próprias empresas determinam que algumas coberturas conhecidas sejam contratadas. A Cabify, que conta com pouco mais de 150 motoristas no Brasil, possui parceria com seguradoras que fornecem o seguro de Acidentes Pessoais de Passageiros (APP), exigido pelo decreto de São Paulo e mencionado em outros projetos de Lei discutidos em âmbito nacional. Segundo o diretor geral da companhia no País, Daniel Velazco-Bedoya, também está sendo implantado um seguro de acidente a terceiros como mais uma solução de proteção.

Sobre a possibilidade de desenvolver um seguro específico junto com o mercado, ele diz que a empresa estuda os pontos de risco que podem ser contemplados pelo produto. “Este modelo de trabalho é muito novo. Ainda não iniciamos uma estruturação do produto, pois confiamos em nosso processo de entrada de parceiros que inicia com uma análise documental do automóvel e do motorista, verificação de antecedentes criminais, reuniões informativas presenciais, vistoria dos automóveis e teste toxicológico”, declara, afirmando que isso não tira a importância de se pensar no assunto.

O seguro de APP também é exigido pela americana Uber, uma das primeiras empresas do ramo a chegar por aqui e a enfrentar o protesto eufórico dos taxistas. Além de determinar que os motoristas apresentem a prova do licenciamento do veículo – o que requer que estejam regulares com o seguro DPVAT –, a companhia afirma que fechou uma parceria com o Grupo Ace para manter a cobertura para a proteção dos envolvidos.

O seguro cobre motoristas e usuários em cada viagem, com as coberturas, em caso de acidentes, de R$ 100 mil para morte acidental, R$ 100 mil para invalidez permanente total ou parcial e até R$ 5 mil para despesas médicas.

“Esta cobertura tem início no momento em que os motoristas parceiros estão a caminho para buscar um usuário. Já para o usuário, a cobertura tem início no momento em que ele ingressa no veículo em uma viagem”, informa a Uber, que no Brasil está presente em quase 50 cidades, ultrapassou a marca dos 50 mil parceiros e soma nove milhões de usuários ativos (que utilizaram o aplicativo ao menos uma vez nos últimos três meses).

Para a consecução do contrato de seguro, é imprescindível que o segurador saiba que o segurado vai exercer atividade comercial com o veículo e, principalmente, a quais riscos ele estará sujeito em consequência de sua atividade.

Assédios e assaltos

Quem utiliza esses serviços não está sujeito apenas a danos físicos e materiais. Os relatos de mulheres que foram assediadas pelos motoristas são cada vez mais frequentes. Em um dos casos ocorridos com a Uber, a companhia excluiu o motorista do aplicativo após uma passageira denunciá-lo nas redes sociais.

É importante destacar que coberturas próprias de relações trabalhistas não cabem nestes casos. “Não se trata de relação de emprego da forma tradicional, mas de trabalho, com outra modalidade de relacionamento”, argumenta Angélica Carlini.

Coberturas de assédio moral também não são aplicáveis, justamente porque “não há relação de emprego e nem tão pouco avaliação prévia do empregado, políticas de prevenção, entre outras circunstâncias que devem sempre estar presentes nessa modalidade de contratação. ”

Também relatadas por quem está atrás do volante, a sensação de insegurança e medo de assaltos só cresceram após a aceitação do pagamento em dinheiro – o que, inicialmente, era feito apenas com cartão de crédito. Aqui, um seguro de responsabilidade civil pode funcionar. “Em princípio, não há muita diferença entre o seguro de RC contratado por um motorista de táxi e aquele que poderia ser contratado por um operador de sistemas de aplicativos”, diz Angélica.

Coberturas mais específicas ficam de fora se a contratação for realizada diretamente por quem vai guiar o veículo e realizar a prestação do serviço. Se a contratação for feita pelas empresas que operam os aplicativos, é possível desenhar produtos que tragam as tradicionais coberturas de RC e algumas outras mais específicas.

Ainda em caso de assaltos, o seguro de automóvel tradicional pode ser uma solução. “O produto indeniza o proprietário do veículo em caso de furto ou roubo.

Não parece que seja necessária outra cobertura”, diz Ana Rita Petraroli. Também deve-se considerar o Seguro de Responsabilidade Civil Facultativa de Veículos (RCF-V), modulada para condutores de veículos que operem no sistema de aplicativos.

Isso é possível porque existe tecnologia instalada nas empresas de seguro para realizar cálculos estatísticos, na medida em que não existem diferenças substanciais dos motoristas de táxi. Mas é fortemente recomendável que o desenho do produto seja específico, para atender exatamente as peculiaridades dessa nova modalidade de prestação de serviços.

Fone: Revista Apólice