Uma cultura comum de supervisão em nome da equidade

Gabriel Bernardino fez um balanço da aplicação do Solvência II no congresso anual dos seguros. O presidente da EIOPA destacou o processo de convergência das práticas de supervisão a nível europeu e o impacto da digitalização no setor segurador.Parte inferior do formulário

A autoridade europeia dos seguros (EIOPA, na sigla anglo-saxónica) já lançou a discussão pública para a revisão do cálculo do requisito de capital de solvência em 2018, tal como estava previsto na diretiva Solvência II.

“A intenção é efetuar ajustamentos cirúrgicos onde exista evidência para tal, tornando o sistema menos complexo e mais proporcional, não se antevendo modificações significativas ao nível das exigências globais de capital” salientou Gabriel Bernardino, presidente da EIOPA na abertura da conferência “Os Seguros em Portugal”, que se realizou em Lisboa a 5 de maio, numa organização do Jornal de Negócios, Liberty Seguros, Generali, PLMJ e i2S. Em 2021 está prevista a revisão geral do regime.

“A aplicação do Solvência II tem sido um sucesso e contribuiu significativamente para a estabilidade do setor financeiro europeu” disse Gabriel Bernardino.

“Num cenário macroeconômico bastante difícil, com taxas de juro historicamente baixas, a aplicação de um novo regime de solvência baseado nos riscos, naturalmente mais exigente, foi efetuada sem sobressaltos, fruto de uma preparação atempada e de adequados períodos de transição” referiu.

A nível europeu o setor encontra-se capitalizado com um rácio médio de solvência de 230%. 901 empresas de seguros e resseguros provenientes de 24 países representando uma quota de mercado de 69%, usaram pelo menos uma das medidas de transição que se destinam a limitar a pró-ciclicidade e a facilitar a entrada no novo regime.

Os trabalhos da supervisão

Gabriel Bernardino sublinhou que a supervisão tem de verificar a sustentabilidade e viabilidade dos modelos de negócio, sobretudo quanto às garantias concedidas nos produtos e à sustentabilidade das políticas de participação nos resultados, comissionamento e de distribuição de dividendos.

 

Além disso, num ambiente de baixas taxas de juro que afeta a rendibilidade dos investimentos, a supervisão deve estar atenta às políticas de investimento que devem ter em conta o interesse dos tomadores de seguro e beneficiários e não dos acionistas.

Acrescentou que “os investimentos devem continuar a ser sujeitos a um escrutínio detalhado, quer em termos dos níveis de concentração, quer ao nível da sua qualidade creditícia, devendo ser seriamente considerado o impacto do risco de reinvestimento”.

A aplicação do Solvência II tem sido um sucesso e contribuiu significativamente para a estabilidade do sector financeiro europeu.

GABRIEL BERNARDINO PRESIDENTE DA EIOPA

“Um ponto crítico de implementação prende-se com a necessidade de dotar a empresa de um efetivo sistema de governação, que integre considerações ligadas ao risco, ao capital e ao impacto nos consumidores nas tomadas de decisão estratégicas da empresa” assinalou Gabriel Bernardino. “Nesta área, em que a cultura empresarial desempenha um papel muito relevante, há ainda um longo caminho a percorrer”.

Supervisão comum europeia

A estratégia da EIOPA passa pela convergência das práticas de supervisão na União Europeia. “Apenas uma cultura comum de supervisão assegurará condições equitativas, impedirá a arbitragem regulamentar e salvaguardará um nível de proteção semelhante para todos os tomadores de seguros e beneficiários na União Europeia” disse Gabriel Bernardino.

“Uma supervisão que seja baseada no risco e proporcional; preventiva e pró-ativa; desafiante e céptica; abrangente e conclusiva” definiu.

Salientou ainda que a supervisão de grupos econômicos implica uma contínua e eficaz coordenação entre os diferentes supervisores setoriais e que tem de supervisionar “todas as realidades institucionais existentes no mercado, sejam elas sociedades anônimas ou mutualidades, sob pena de possibilitar situações de arbitragem regulamentar que a médio prazo distorcem a sã concorrência e criam danos para os consumidores”.

O impacto da digitalização

O impacto da digitalização na atividade seguradora observa-se “com o desenvolvimento de novos modelos de negócio, diferentes formas de intermediação e novas ferramentas de gestão de sinistros, que tiram partido do incremento do poder analítico e da quantidade de dados pessoais disponíveis, da digitalização de processos e da crescente conectividade” referiu.

 

Sublinhou que a tecnologia beneficia o consumidor com novos produtos e serviços, mas também gera processos mais eficientes que reduzem os custos de exploração das seguradoras, que continuam, em geral, a ser bastante elevados, muitas vezes na ordem dos 25 a 30% dos prêmios.

Por isso diz que “a questão não é se o setor vai ser sujeito a um choque de elevadas proporções, a questão é saber quando é que vai ser sujeito a esse choque”.

Fez ainda referência aos novos riscos, aos padrões éticos no uso dos dados pessoais, e à potencial exclusão de determinados consumidores em função das suas características e os riscos cibernéticos associados aos elevados volumes de informação detidos pelas empresas de seguros.

Vai nascer o PEPP, produto europeu de poupança de longo prazo

A Comissão Europeia pretende apresentar em junho uma proposta legislativa para a criação do PEPP (Pan-European Personal Pension Product)” anunciou Gabriel Bernardino, presidente da EIOPA. Esta desenvolveu há dois anos a ideia de criar um produto europeu de poupança de longo prazo para a reforma para ser comercializado na Europa em concorrência com os produtos atualmente existentes.
Segundo Gabriel Bernardino o PEPP deve ser um produto simples, eficiente ao nível dos custos, transparente e de confiança, por forma a possibilitar o investimento sustentável de longo prazo em ativos tais como ações, imobiliário e infraestruturas, tradicionalmente com retornos superiores. Necessita também de um regime fiscal favorável e estável e pode beneficiar de necessidades de capital inferiores em termos de requisitos de solvência, se evitar a exposição à volatilidade de curto prazo dos mercados.
A APS tem um grupo de trabalho que “está a olhar para o que já se conhece e a desenvolver algum trabalho conjunto para identificar em Portugal como é que se poderia adaptar o PPEP e com isso desenvolver toda uma oferta de produtos que possa ser interessante para os consumidores portugueses” revelou José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores.
Seguros são um pilar de estabilidade

O presidente do regulador dos seguros destacou as fragilidades macroeconômicas, a baixa poupança e a digitalização como desafios ao setor.

 

José Almaça, presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, encerrou a conferência.

 

“No rescaldo da grave crise financeira, o setor segurador nacional tem demonstrado ser um pilar de estabilidade, mantendo, sem rupturas, um fluxo de serviços vitais para a economia e para a sociedade, em matéria de proteção dos riscos e de gestão das poupanças dos agentes econômicos.

Ao mesmo tempo, atuou de forma anti-cíclica, como fonte de financiamento e de liquidez no contexto dos grupos econômicos nacionais nas fases de maior turbulência dos mercados”, salientou José Almaça, presidente da ASF, na sessão de encerramento da conferência anual “Os seguros em Portugal”, que decorreu a 5 de maio de 2017 no Lux Lisboa Park Hotel, em Lisboa.

Em 2016, o setor segurador reforçou a sua resiliência, tendo registrado um incremento dos rácios de solvência face ao final de 2015, atingindo 147% e 418%, respectivamente, na cobertura do requisito de capital de solvência e do requisito de capital mínimo.

No entanto, José Almaça sublinhou que existem desafios importantes como “os que decorrem das fragilidades ao nível macroeconômico, onde destacaria o elevado endividamento público e privado, a dependência dos custos de financiamento da política monetária do BCE e a baixa poupança interna. Acrescem ainda as incertezas persistentes na conclusão do processo de estabilização e na sustentabilidade do setor bancário nacional”.

Poupança e inovação

Centrou depois a sua intervenção na importância estratégica de reanimar a poupança em Portugal, atualmente em mínimos históricos, apesar dos constrangimentos colocados pela conjuntura de baixas taxas de juro e a falta estímulos, nomeadamente de natureza fiscal.

Salientou ainda a digitalização e utilização de novas tecnologias, as quais encerram riscos adicionais, mas também oportunidades para aumentar valor e competitividade através de fenômenos como as InsurTech, que incorporam inovações tecnológicas no modelo de negócio segurador, o “big data”, os operadores, as plataformas digitais e de soluções tecnológicas desenhadas nas áreas da detecção de fraudes, da cibersegurança, da inteligência artificial, dos dispositivos “internet of things”, entre outras.

Novo regulamento sobre a proteção de dados irá requerer uma importante alocação de recursos e revisão profunda dos processos.

JOSÉ FIGUEIREDO ALMAÇA PRESIDENTE DA ASF

Fonte: Jornal de Negócios – Portugal