Foco no equilíbrio

Qualidade de vida é o mínimo que se espera da aposentadoria. No Brasil, porém, essa perspectiva está ameaçada para a maioria da população, e mesmo para aqueles que já poupam para o dia em que pararem de trabalhar. A velocidade de envelhecimento da população é maior que em outros países, mas perde para a velocidade de reajuste de preços dos serviços médicos – tão necessários nessa nova etapa da vida. Ao mesmo tempo, o dinheiro poupado não é corrigido na mesma proporção.
A longo prazo, a conta parece difícil de fechar. “A longevidade é boa para todos, mas tem impactos”, diz José Cechin, diretor-executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde). Com base nas projeções oficiais, Cechin mostra que o Brasil ainda é um país de poucos idosos em relação à população total, mas alerta que a quantidade de pessoas acima de 60 anos está avançando. A expectativa é de que, em 30 anos, chegará à mesma relação que a França levou 120 anos para alcançar. Eram 7% de pessoas acima de 60 anos em 2011, número que subiu para 11% em 2013. Em 2030 serão 19% e em 2060, 34%.
Atualmente, cada grupo de cem brasileiros com idades entre 16 e 60 anos – a população economicamente ativa – sustenta a aposentadoria de 17,4 idosos. Em 2030, o mesmo grupo estará sustentando 29,8 aposentados; em 2050, 52,9 e em 2060, 64 idosos. “Cada idoso terá menos de duas pessoas para sustentá-lo”, alerta Cechin.
“Por enquanto, o Brasil está no pico da mão de obra, o chamado bônus demográfico”, diz Osvaldo do Nascimento, presidente da Federação Nacional das Empresas de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), referindo-se ao fenômeno em que a quantidade de idosos é menor do que a de adultos e crianças, portanto existe mais gente trabalhando e produzindo para sustentar os velhos.
Mas essa fase benéfica da demografia vai começar a baixar a partir de 2020 – ou seja, daqui a seis anos -, porque a taxa de fertilidade das brasileiras vem caindo há 30 anos e o número de crianças que nascem não é suficiente para compensar a mortalidade. O resultado é que a relação tende a se inverter: haverá mais velhos e menos gente para sustentá-los. Essa questão tem provocado reflexão por parte das autoridades, da academia e dos formuladores de políticas, produtos e serviços.
O sistema previdenciário brasileiro foi apontado como o segundo menos sustentável do mundo, depois do da Tailândia, em um estudo conduzido pela seguradora alemã Allianz que analisou 50 países. A Austrália, a Suécia e a Nova Zelândia estariam na outra ponta, dos mais sustentáveis.
Para se aposentar no Brasil, a idade mínima é de 60 anos para mulheres e 65 anos para homens. Mas basta que uma mulher tenha 30 anos de contribuição e o homem 35 anos para ter direito ao benefício, mesmo sem ter atingido a idade mínima, o que pode representar a aposentadoria aos 50 anos ou até menos. Como a expectativa de vida do brasileiro é de 74,6 anos, segundo o IBGE, significa que as pessoas podem viver mais tempo de aposentadoria do que o período que passaram contribuindo para o sistema.
O índice de sustentabilidade de pensões da Allianz avalia as condições de aposentadoria dos países vis a vis o ritmo de envelhecimento de sua população. Por essa análise, o sistema do Brasil padece com uma alta taxa de substituição – quando o mesmo benefício é transferido para outras pessoas -, somada às opções de aposentadoria antecipada e ao rápido crescimento da população de idosos.
Já na Austrália, o Estado garante uma aposentadoria mínima para cobrir as necessidades básicas e evitar que o cidadão caia na miséria; qualquer rendimento adicional deve ser gerado a partir de fontes financiadas por meio do sistema de capitalização privado. Além disso, a taxa demográfica da Austrália é mais favorável em termos da relação jovens-idosos no presente e para o futuro.
Osvaldo do Nascimento chama atenção para o fato de que o país tem 25 milhões de pessoas aposentadas nos setores público e privado, e cada aumento de R$ 1,00 na pensão dessas pessoas representa R$ 25 milhões ao Estado. “Não é à toa que o déficit da Previdência Social chega a R$ 100 bilhões”, afirma.
O sistema de aposentadoria brasileiro é baseado em um tripé. Uma das pernas é o Regime Geral de Previdência Social, que cobre os trabalhadores do setor privado com recursos públicos gerenciados pelo INSS. A segunda perna é o sistema de previdência complementar privada, composto pelos fundos de pensão fechados e abertos e os fundos de previdência oferecidos por seguradoras (PGBL e VGBL). O terceiro suporte desse tripé são os incentivos fiscais para a poupança voltada à aposentadoria – dedução do Imposto de Renda.
O sistema privado administra 17 milhões de planos de aposentadoria com poupança acumulada de R$ 350 bilhões, valor que aumentou cem vezes nos últimos 20 anos. O perfil predominante das pessoas que fazem poupança particular para a aposentadoria consiste naqueles que ganham acima do teto da previdência social (R$ 4.390,24), recebem salário, pagam impostos e estão preocupados com o pagamento do plano de saúde na última etapa da vida, quando as mensalidades dão saltos muito acima do reajuste das aposentadorias.
Saúde é um tema que está rapidamente entrando nas discussões sobre longevidade. Segundo Cechin, da Fenasaúde, os prestadores de serviços médicos têm feito reajustes de até 800% a 900% nos últimos cinco anos, percentuais dezenas de vezes acima da inflação. Os custos da medicina têm se comportado fora da norma legal dos planos de saúde, em que as mensalidades para os mais velhos não podem ser maiores que seis vezes o custo para os jovens.
Diante dessa realidade, fica uma certeza: vamos ter de pagar mais para sustentar os mais velhos. Mas quanto? E como?
Não há respostas fáceis, mas crescimento econômico é fundamental, diz Osvaldo do Nascimento, lembrando que só com uma expansão de pelo menos 4,5% ao ano será possível gerar renda suficiente para quem está na ativa poder contribuir mais para o sistema público ou privado. “Para isso é preciso investimentos de longo prazo que só se viabilizam com estabilidade econômica e controle da inflação”, diz o presidente da Fenaprevi.
“Inflação em alta é totalmente nocivo para a poupança de longo prazo”, reitera Andrea Levy, assessor da presidência da seguradora Mongeral Aegon. Para ele, é preciso avançar na questão da aposentadoria para além da poupança, olhando também para os custos de saúde que vão impactar os recursos economizados para a velhice. No leque de possíveis soluções, Levy enumera a regulamentação de planos de previdência em que parte da renda forme um fundo para cobrir os custos de saúde, uma espécie de VGBL Saúde. “Seria uma troca de reservas entre PGBL, VGBL e planos de saúde”, explica.
Fonte: Valor Econômico