Debate da APTS analisa se haveria cobertura na boate Kiss

Na quarta-feira, 20 de fevereiro, todas as variáveis que envolveriam o pagamento de indenização securitária às vítimas do incêndio na boate Kiss foram analisadas por especialistas em Debate do Meio-Dia promovido pela Associação Paulista dos Técnicos de Seguro (APTS), em São Paulo (SP), sob a coordenação de José Cesar Caiafa Junior, engenheiro de segurança e diretor da Flex Corretora de Seguros. Segundo os especialistas, caso os donos da boate tenham contratado os seguros de incêndio e de responsabilidade civil, teoricamente, poderiam, arcar com as indenizações estimadas em cerca de R$ 400 milhões, se fossem apontados como culpados pelo inquérito policial. Na prática, porém, o pagamento do sinistro dependeria do cumprimento das regras do seguro e, principalmente, da ausência de dolo.

Causas do incêndio

Entre os fatores que agravaram a chance de salvamento das vítimas do incêndio da boate de Santa Maria, o coronel Nilton Divino D’Addio, ex-comandante no Corpo de Bombeiros do estado de São Paulo, apontou como principais o excesso de lotação, a falta de sinalização de rotas de saída e a existência de obstáculos diversos à frente da porta. Segundo o coordenador Caiafa, para que ocorra um incêndio são necessários, pelo menos, dois fatores: fonte de calor (fator de ignição) e material combustível. Para o coronel D’Addio, está claro que a fonte de calor foi artefato pirotécnico usado pelos músicos da banda e o combustível a forração acústica imprópria do teto.

Durante o debate, o deputado Major Olímpio Gomes (PDT), divulgou a proposta da Frente Parlamentar em Defesa da Segurança Pública, na qual é presidente, de criar o “Fundo estadual de segurança contra incêndio e emergências”, que auxiliará no suporte de medidas preventivas e estudo para a melhoria de condições do Corpo de Bombeiro de São Paulo.

Riscos declináveis

Na visão de Martin Ern Faller, diretor executivo da multinacional Cunningham Lincy Int do Brasil, o seguro de responsabilidade civil seria o mais importante para a boa Kiss, porque serviria para garantir a indenização às famílias das vítimas. Para chegar ao valor dessa indenização, ele fez os cálculos, considerando que a maioria era jovem, ainda em início de carreira e que poderia viver até os 73 anos, em média, segundo o IBGE, com um salário médio de R$ 5 mil ao longo da carreira. O valor aproximado seria de R$ 1,6 milhão por pessoa, que multiplicado pelo número de vítimas fatais atingira algo em torno de R$ 400 milhões.  “Qual seguradora pagaria esse valor?”, perguntou. “Se uma casa noturna quiser contratar seguro, conseguirá?”.

Desde a abertura do resseguro, em 2008, os riscos até então aceitos pelo ressegurador monopolista passaram a serem oferecidos aos novos players do mercado. Mas, atualmente, devido ao elevado risco que representam, casas noturnas e outras atividades como fábrica de móveis, de colchão, de produtos químicos e de tintas enfrentam dificuldades para conseguir cobertura de seguro. Para Martin Faller, a boate Kiss pode bem ser um desses casos de seguros cujo risco foi declinado. Ele atribui a culpa por essa situação “à falta de entendimento das seguradoras sobre o que é resseguro”. E afirma que todos os riscos deveriam ser aceitos, bastando serem bem taxados.

Mas, ainda que a boate tivesse seguro, ele acredita que o limite de indenização não cobriria todos os custos, sobretudo os de responsabilidade civil. A seu ver, falta à população brasileira a compreensão do verdadeiro conceito de responsabilidade civil. O melhor exemplo é o seguro de automóvel, cujo valor da cobertura de cascos, geralmente, é maior do que o de responsabilidade civil. Segundo Martin Faller, apenas a conscientização e maior demanda da sociedade aumentará contratação desse seguro.

Seguro não indeniza dolo

Luiz Macoto Sakamoto, que atua em uma grande seguradora, mas preferiu participar do debate na condição de técnico de seguro, analisou o caso do incêndio em Santa Maria do ponto de vista do segurador, destacando a falta de legislação e fiscalização adequada. Mesmo que o dono da boate e os músicos sejam apontados como responsáveis pelo inquérito, ele indica, ainda, outros responsáveis indiretos, como a prefeitura, o Corpo de Bombeiros, o estado, a União, os órgãos normativos, o seguro e outros, ou seja, toda a sociedade.

No caso do seguro de responsabilidade civil, Mocoto frisou que as regras definem a indenização devida apenas para os casos em que for comprovada a culpa do segurado, desde que não haja dolo. A partir da análise das regras do seguro padronizado de responsabilidade civil, definidas pela Circular Susep 437/12, Macoto concluiu que não haveria cobertura para o incêndio da boate Kiss se o inquérito policial concluísse que houve culpa grave dos responsáveis, que pelas regras do seguro é equivalente a dolo e, portanto, exclui a obrigação da seguradora de indenizar.

O advogado Plinio Rizzi, especializado em seguro, acrescentou a situação de dolo eventual, que ocorre quando o segurado não tinha intenção de cometer o dano, mas assumiu o risco de produzir o seu resultado. Aplicado ao caso da boate Kiss, os donos não teriam a intenção de matar os jovens, mas agiram com tamanha negligência que acabaram colaborando para a tragédia. Considerando o alto valor de indenização, Plínio acredita que eles não terão recursos para pagar. Na hipótese de o município ou o estado serem incluídos como co-responsáveis pela tragédia, então aumenta a possibilidade de o valor ser transformado em precatórios.

Fonte: Márcia Alves / Assessoria de Imprensa da APTS